quinta-feira, 26 de julho de 2012

Cattleya Leopoldii tipo X Laelia Purpurata trilabelo

MEU AMADO IMORTAL

                                                                    Maria Angela Alvares Cacioli

                          
Podem as areias da praia
correr por entre meus dedos
no escoar da água salgada

Podem os sóis de fogo
surgir e descair mansamente 
na linha retilínea do horizonte

Podem as flores
ver o desabrochar e desfolhar
de suas pétalas 

No perpassar do tempo
serás para sempre meu amado
até o infinito...

segunda-feira, 23 de julho de 2012

A GATA NOEMI EM PONTO-CRUZ





Minha amiga Rosângela faz aniversário hoje. Como ela é apaixonada por gatos, bordei sua gatinha Noemi em ponto-cruz e fiz uma bandeja para presenteá-la. 

XIX Prêmio Moutonnée de Poesia





"...Uma nova categoria foi criada neste ano, a de
poema temático, que recebeu 69 poemas versando
sobre a Rocha Moutonné, símbolo do prêmio.
E a comissão julgadora decidiu premiar um único
vencedor: Maria Angela Alvares Cacioli, de Santo
André/SP, com o poema “Rocha Moutonnée –
Dualidade e Sentimentos”. A todos os vencedores
foram entregues troféus idealizados pela artista
plástica Célia Trettel..."
Publicado no site oficial da Prefeitura Municipal da Estância Turística de Salto-SP

ROCHA MOUTONNÉE
– DUALIDADE E SENTIMENTOS                
               
Salto ─ estância turística ─
guarda  musa singular
que tem como característica
ser de pedra milenar

Da sua carne ─ róseo granito ─
versos vou escavando
e do gelo em atrito
a inspiração entalhando

Minhas palavras contarão
algo triste e inusitado
de um amor impossível falarão
entre a rocha e seu amado

Foi de uma paixão paleozoica
entre a água e o mineral
que nasceu a estrutura geoica
em formato de animal

Lembra um carneiro deitado
seu contorno arredondado
daí seu nome importado
“Moutonnée” - acarneirado

A dinâmica do envolvimento
gerou terreno de abrasão
enquanto a geleira em movimento
à pedra mostrava afeição

O gelo a pedra lambeu
em dura carícia a poliu
depois de riscos a encheu
quando seu corpo cindiu

Na ânsia de segurar-se
arrancou-lhe o amante pedaços
na amada quis apoiar-se
e eternizar os abraços

Foi triste a separação
aflitas lágrimas rolaram
tais águas por erosão
calhas ondulares deixaram

A pedra marcada ficou
de fenda sulco ranhura
nas faces e flancos restou
do amor a arquitetura

Sua natureza é de rocha
porém ao ver adivinho
na estria que desabrocha
a sutileza de um carinho

Mora a viúva famosa
em parque municipal
ali cuida ainda saudosa
do seu leito conjugal

Tracei assim a silhueta
da tragédia que aconteceu
entre uma pétrea Julieta
e seu gélido Romeu
Publicado em XIX e XX Prêmio Moutonnée de Poesia/Prefeitura da Estância Turística de Salto/Secretaria da Cultura e Turismo - Salto (SP) : Editora Schoba, 2010 - p. 81-83 - ISBN 978-85-8013-030-0                                                  
                  Para a composição deste trabalho foram realizadas pesquisas sobre a Rocha Moutonnée e suas peculiaridades. Resolvi humanizar os elementos e escrever uma história de amor. As características geomorgológicas, como suas calhas e sulcos ressaltadas no poema, são resultado da placa de gelo que nela se instalou na era da glaciação e de seu posterior deslocamento durante o degelo. Interpretei-as como consequência da troca de carinhos entre dois enamorados que estão se despedindo para sempre.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

ORQUÍDEAS DE BISCUIT

TRÊS RAINHAS

                                                  Maria Angela Alvares Cacioli

Sou jornalista de formação. Trabalhei ultimamente em um jornal meia-boca e sou totalmente frustrada com minha profissão. Podem me chamar de amarga. Sabe quando você faz a faculdade dos seus sonhos, estuda com afinco, se forma com honra e entra no primeiro emprego entusiasmada, almeja um Pulitzer e já no primeiro ano percebe que medíocres ocupam os cargos melhores porque tiveram Q.I. altíssimo? Acho que todos conhecem a expressão Q.I., ou seja, “quem indica”: um diretor pagando um favor a um amigo, um político que ajudou a sustentar a Faculdade de Jornalismo do sobrinho, e por aí vai.
Comecei como estagiária em um Diário da vida, depois fui efetivada. Aí me chamaram em outra cidade para ser editora-assistente num Jornal novo. Pensei: se o Jornal crescer, cresço junto. Promessa de carreira ceifada quando o dono do dito Jornal foi morto a tiros um mês depois. O projeto gorou e o Jornal fechou. Lá estava eu de novo “disponível no mercado de trabalho” expressão de efeito que aprendi num curso de comunicação para designar “desempregada”.  
Bati perna, entreguei currículo em muitas portarias até que um amigo soube da minha situação e me chamou pra trabalhar com ele. Jornal grande, da Capital; funcionária comum, sem status, salário baixo mas grande satisfação; serviço que eu gostava e do qual me orgulhava quando via meu nome estampado junto com as matérias que fazia. Mas o tempo foi passando, a vida encarecendo e meu salário ainda baixo. Fui falar com o chefe. Nada. Comecei a ficar desgostosa mas continuava a trabalhar direitinho, com hora incerta pra entrar e totalmente imprevisível para sair. Tive que tomar muito táxi de madrugada pra chegar em casa às três da manhã e entrar novamente às nove horas no Jornal, porque tinha que fazer uma entrevista com algum notável que viajaria ao meio-dia. Hora-extra? Banco de horas? Que piada! E o salário baixinho, baixinho.
Comecei a fazer contatos. Ia casar, precisava de mais grana. Consegui o tal cargo de editora-assistente aquele que me foi tirado com a bala que matou meu patrão anterior só que num Jornal de menor circulação, menor visibilidade. Poucas matérias impressas, serviço burocrático. Fiquei vinte anos ali. Virei editora. Levantava pela manhã e me perguntava se queria ir trabalhar. Querer eu não queria, mas precisava. O salário do meu marido não era lá essas coisas, tinha dois filhos pra criar e, bom, aquela era minha carreira.
Com a demissão do meu marido, iniciou-se a fase do martírio da procura de recolocação. Ficamos dois anos na expectativa quando ele recebeu uma proposta irrecusável num polo industrial da Grande São Paulo, bem longe de onde morávamos. Entre muitas noites sem dormir, com os filhos já casados, eu de saco-cheio do trabalho, decidimos nos mudar. O salário dele dava muito bem para nos manter confortavelmente, sem luxos. Fiquei seis meses como dona-de-casa em tempo integral. Aquilo foi me dando uma angústia, uma falta de horizontes, que acabei concordando com os amigos: precisava voltar à ativa, fora de casa. Levei meu currículo para o jornal da pequena cidade. “Quem vai me querer?”, pensei, “quarenta e cinco anos nas costas, uma velha para o ramo”. Não deu dois dias e eles me chamaram para uma entrevista.
O chefe de Recursos Humanos me tratou na palma da mão. Saí de lá contratada. O salário, uma merreca, mas pelo menos dava pra pagar a empregada e me livrar do avental.
Comecei numa segunda-feira chuvosa. “Sinal de azar”, deduzi. Porque eu tenho muito essas coisas de pressentimento, sabe? Logo depois do almoço fui encarregada de cobrir a enchente no centro da cidade. Ah! esqueci de falar: voltei a ser uma simples repórter, dessas de cobrir até acidente de moto (pelo menos, trabalho não falta, porque é o que mais tem hoje em dia).
Passados uns quinze dias, o chefe mandou-me ir ao Cemitério Municipal porque ficara sabendo que lá estava sendo velado um sujeito e que tinha três viúvas no necrotério. Sinistro! Eu, uma ex-redatora indo cobrir um velório! Literalmente, ossos do ofício. Me senti um lixo.
Com toda minha indignação em baixo do braço mais o bloco de anotações, chamei o fotógrafo e fomos pro Cemitério. Entrei na sala com cheiro de vela e flores. Sentei-me e procurei puxar conversa com a senhorinha muito séria e pensativa que estava ao meu lado. É chato mas um dever de profissão. A velhinha começou meio reticente mas me deu toda a ficha do defunto.
Apontou-me discretamente as três mulheres em torno do caixão: as viúvas. Não sei porquê, imediatamente, veio-me à cabeça o nome de um filme argentino com um ator que eu adoro, o Ricardo Darín, chamado Nove rainhas. Pensei: “O título do artigo pode ser AS TRÊS RAINHAS”. Que bobagem! Não tinha nada a ver. 
E a velhinha engrenou. O cara tinha sido esperto: com dezoito anos foi morar com uma tia nos Estados Unidos; trabalhou lá e aprendeu a falar inglês muito bem. Ao voltar para o Brasil, uns quatro anos depois, foi contratado por uma grande empresa multinacional, uma vez que falar inglês fluentemente na década de sessenta abria muitas portas, dava até pra ficar rico. Casou com aquela ali. E me apontou uma mulher morena, muito bonita e de olhos exóticos e úmidos, que vestia um terninho cinza e estava do lado esquerdo do caixão. Tivera dois filhos com ela: um menino e uma menina.
Quando a filha estava com dezessete anos, ele largou a morena e casou com a secretária de dezoito anos. Então ela apontou a outra morena que estava do lado direito do caixão. Parecia que eu estava olhando para uma cópia da primeira, porque a segunda mulher era a primeira, vinte anos mais moça. Ambas tinham um semblante de pesar, embora só a primeira segurasse um lencinho nas mãos.
“Parece que ele quis refrescar a relação”, pensei divertida. Com essa ele tivera dois filhos homens. Aí a velhinha olhou através do vidro e apontou para os dois adolescentes que estavam encostados no muro, do lado de fora: são aqueles ali.
Ele era malandro mas era muito bom. Quando se separou da primeira esposa, deixou tudo pra ela, e olha que não era pouco. Começou do zero com a segunda, mas era chefão na empresa e logo tava rico de novo. Você acredita que ele alugava até jatinho? Pra ir jogar no Paraguai ou Uruguai, sei lá. E levava o irmão da mulher, o primo, parecia um nababo. Tinha casa chique na praia. Essa foi a desgraça!
A mulher estava me deixando curiosa.
Na praia ele conheceu a terceira mulher. Aquela ali, perto do pé do caixão. Outra morena: pequena, gordinha e feia. Diferentemente das outras duas, parecia que estava ali sem muita vontade, que velava um estranho e que não via a hora de ir embora. Ela vendia sorvete na praia!, a velhinha falou com um longo suspiro.
Mas eu disse pra você que ele tinha uma boa alma. “Agora bem volátil”, sussurrei e já me repreendi internamente pela falta de respeito. Não desamparou a segunda mulher também: deixou até uma empresa pra ela. E a casa de praia também.
Agora, essa terceira não teve tanta sorte, não. Ele perdeu o emprego e ela tinha que se desdobrar pra sustentar a casa. Ouvi até falar, que Deus me perdoe se eu estiver mentindo, que ela chegou a roubar dinheiro da sogra porque - ah! eu não te contei - as coisas ficaram tão pretas que eles precisaram ir morar com a mãe dele.
Acho que foi o desgosto que trouxe a doença pra ele. Imagina, depender da irmã e da mãe pra pagar médico e hospital!
Já estava querendo mudar o título da matéria para DUAS RAINHAS E UMA AIA. Estava explicada a diferença de expressões das três: as duas primeiras mulheres tiveram o melhor que ele podia oferecer. Numa comparação chula, ficaram com o filé e a terceira roeu o osso. Levantei porque percebi que a coisa ainda ia longe e já estavam olhando a gente com cara feia. Ia sair da sala para rascunhar minha matéria. Mas resolvi fingir que fazia uma oração e me aproximei do caixão para ver o defunto.
O rosto naturalmente envelhecera mas seus traços marcantes ainda permaneciam sob a pele cor de cera. E o câncer o deixara tão magro quanto na juventude. Senti tontura e desmaiei.
Nem imagino quem me levou pra enfermaria do Cemitério. Acordei na maca olhando para a cara de uma enfermeira que apertava o meu pulso.
- A senhora teve uma queda de pressão. Mas já a medicamos e a liberaremos daqui uma hora.
- Não, não posso ficar, repliquei e me ergui da maca. Tenho que entregar a matéria. Eu estou ótima.
- Matéria?!
- Sim, sou jornalista e vim cobrir o enterro do Sr. Jorge Antunes.
- Mas se a senhora não é parente, porque desmaiou?
- Estava muito abafado lá dentro. E aquele cheiro de flores, de velas, de morte...
- É, tem gente que não gosta mesmo. Mas a senhora tem certeza que não quer ficar no repouso mais um pouco?
- Absoluta. Meu chefe me mata se eu chegar atrasada pro fechamento do Jornal.
Levantei, disfarcei a tonteira, e saí da emergência com atuação digna de uma atriz. O fotógrafo teve que assinar um termo de responsabilidade pra me levar embora. Entrei no carro e não quis fazer qualquer comentário. Cheguei no Jornal, digitei a matéria no computador, enviei e pedi pro meu chefe me dispensar. Não estava muito disposta. Preocupado ele queria me acompanhar até em casa. Disse-lhe que não precisava, só que chamasse um táxi.
Cheguei em casa arrasada, pensando que eu era o elemento que faltava naquele reino: a boba-da-corte. Deitei na minha cama e chorei como uma adolescente. A mesma adolescente burra que, trinta anos atrás, por pura paixão, entregara sua virgindade e um amor tão ingênuo quanto intenso àquele defunto “galinha”.

terça-feira, 17 de julho de 2012

BLC. Mary Song Madame Butterfly



 As orquídeas brincam de arco-íris

Quem tem o poder de escolher?

"Podia ser só amizade, paixão, carinho, admiração, respeito, ternura, tesão. Com tantos sentimentos arrumados cuidadosamente na prateleira de cima, tinha de ser justo amor, meu Deus?"
                                            Caio Fernando de Abreu

terça-feira, 10 de julho de 2012

A MUSA DO QUADRO

Queria
ficar gravada em tua mente
como imorredoura imagem
na pincelada leve do artista
para ti encher-me de cores
como as nuvens brancas ao crepúsculo
ser tocada pela sutileza
de teus dedos mágicos
brilhar como o cetim
das telas de Vermeer
eternizar-me em tintas
corantes e matizes
ser a dama do turbante
com meus brincos de pérola 
e os lábios rubros e molhados
ver teus os olhos a refletir
uma paixão ardente
sentir o teu desejo a perpassar-me
queimando-me pelo avesso

Mas
fazes-me de objeto
um estudo de luz e sombra
uma alquimia de tons
abstrais o que de humano
em mim existe
aviltas a minha natureza
olvidas meus sentimentos
e usas o meu viço virginal
apenas para exprimir
a tua amada Arte
Publicado em Banco de Talentos 2007 - Catálogo das obras selecionadas no Projeto Banco de Talentos, promovido pela Febraban -  p. 234-235 - CDD-700.79074
 
Há uns quatro anos, na programação da TV por assinatura, assisti a um filme intitulado Moça com brinco de pérola que, ao terminar, me deixou com aquela sensação de “quero mais”. Fiquei encantada com o enredo, a fotografia, a atuação dos atores. Fiz questão de comprar o DVD para ter em casa. O filme é de 2003, tem como diretor Peter Webber, adaptação do roteiro de Olivia Hetreed e direção de fotografia de Eduardo Serra. Os atores principais são Scarlett Johansson e Colin Firth. Baseado no romance homônimo de 1999, escrito por Tracy Chevalier, inspirada pela pintura que ficava numa das paredes de sua casa e sobre a qual ela criou uma história.

A produção cinematográfica foi soberba, recriando a cidade e o figurino da época. Mas o que mais me chamou a atenção foi a fotografia. Porque o filme parecia ser uma sucessão de telas de pintura, pela valorização do foco de luz vindo de um único ponto, como acontece na totalidade da obra do pintor holandês Joannes Vermeer (séc.XVII), que pintou este quadro em 1665, e que é conhecido como a Monalisa holandesa.

No dia seguinte, ainda com o filme em mente, senti-me impulsionada a escrever este poema que foi premiado em 2007 e editado em livro pela Federação Brasileira de Bancos. Posteriormente, publicado no site literário da Internet, Blog Suite Blog.      
 

EU E MEU ROMANCE DE GAVETA

     Meu diploma da Faculdade de Letras já estava perto de completar trinta anos. Resolvi ampliar meus conhecimentos, atualizar-me. Fui fazer uns cursos na Casa da Palavra. Entusiasmada com o ambiente literário, reescrevi um romance do qual guardava um rascunho havia anos. Envaidecida, mostrei-o ao professor de criação literária, o renomado Cláudio Willer, esperando elogios pela minha iniciativa.
     - É um esqueleto. Carece de consistência - disse ele, seco.
     - O senhor quer dizer “mais psicológico”? 
     - É. Falta consistência.
         Que raio de consistência ele queria? Sentei-me diante do computador e comecei a redesenhar minha “obra-prima”, re-gerar (existe isso?) minha criança. Quando acabei, todo o sangue, a linfa, a pele, o recheio, o enchimento, o estofo, eu havia transferido para o meu livro. Estava vazia, liberta, limpa, lavada, branca. Só ossos.

                                                    Maria Angela Alvares Cacioli

sexta-feira, 6 de julho de 2012

ARTESANATO - Técnicas mistas


Este conjunto reúne três tipos de técnicas artesanais:
o bordado em ponto-cruz  nas toalhas, o biscuit  ou 
porcelana  fria nos sorvetes e o  papel artesanal, na
caixa e no portarretrato. 

O NOME DO BLOG

     Levei quase um ano para achar o nome certo para meu blog. Estava procurando um que englobasse minhas atividades preferidas: escrever, ler, fazer artesanato e cultivar orquídeas. Todos que eu supunha bons, já existiam. Até que um dia deu um estalo e falei: Mãos pensativas. Mente e mãos. Primeiro verifiquei se não existia um blog com esse nome. Não havia; então o registrei depressa. Mas vi que essa expressão "mãos pensativas" aparecia muitas vezes. E não é que ela está no fascinante livro Romanceiro da Inconfidência* da Cecilia Meireles? Há anos eu havia lido e relido o livro para uma dar uma palestra sobre a escritora e me encantara com ele!  
     A nossa mente é um arquivo mesmo. E há gavetas que ficam anos fechadas e no momento certo elas se abrem sozinhas, sem que você tivesse a intenção. Fiquei surpresa e feliz com o "achado". Além do nome ser exato para o que eu queria, ainda faço com ele uma homenagem a essa extraordinária poeta: " Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: sou poeta". 

 

Excerto do Romance XXIV ou DA BANDEIRA DA INCONFIDÊNCIA


"Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
brilham fardas e casacas,
junto com batinas pretas.
E há finas mãos pensativas,
entre galões, sedas, rendas,
e há grossas mãos vigorosas,
de unhas fortes, duras veias.
E há mãos de púlpitos e altares,
de evangelhos, cruzes, bençãos."



*Livro lançado em 1953 e escrito na década de quarenta quando Cecilia visitava Ouro Preto (MG), como jornalista, para documentar os eventos da Semana Santa. Enfoca a história de Minas Gerais dos inícios da colonização até a Inconfidência Mineira, ocorrida em fins do século 18, e reúne 84 "romances" (poemas épico-líricos cuja inspiração está na tradição popular hispânica), mais quatro "cenários" e textos que funcionam como prólogo e epílogo.
Poeta essencialmente da sonoridade, mesmo tratando de uma questão histórica, Cecília Meireles imprime nessa obra a sua marca registrada, a musicalidade. Há uma aglutinação entre o lírico e o épico. A trama é mostrada com ênfase em silêncios, rumores, portas trancadas e encontros à luz de velas. Valoriza-se a atmosfera da conspiração, o medo constante de ser pego e o drama psicológico de quem tem algo que, se descoberto, pode levar à morte.

LAELIA LOBATA CONCOLOR GENI

quinta-feira, 5 de julho de 2012

À BEIRA DO MAR ABERTO - Caio Fernando Abreu

                                                              .
                                 À BEIRA DO MAR ABERTO
......................................................................................................................................................e de novo me vens e me contas do mar aberto das costas de tua terra, do vento gelado soprando desde o pólo, nos invernos, sem nenhuma baía, nenhuma gaivota ou albatroz sobrevoando rasante o cinza das águas para mergulhar, como certa vez, em algum lugar, rápido iscando um peixe no bico agudo, mas essas outras águas que lembro eram claras verdes, havia sol e acho que também um reflexo de prata no bico da ave no momento justo do mergulho, nessas águas de que me falas quando me tomas assim e me levas para histórias ou caminhadas sem fim não há verde nem é claro, o sol não transpõe as nuvens, e te imagino então parado sozinho sobre a faixa interminável de areia, o vento que bate em teu rosto, as mãos com os dedos roxos de frio enfiadas até o fundo dos bolsos, o vento e novamente o vento que bate em teu rosto, esse mesmo que me olha agora, raramente, teu olho bate em mim e logo se desvia, como se em minhas pupilas houvesse uma faca, uma pedra, um gume, teu rosto mais nu que sempre, à beira-mar, com esse vento a bater e a revolver teus cabelos e pensamentos, e eu sem saber o que me revolve agora quando teu olho outra vez escorrega para fora e longe do meu, entre tua testa larga de onde às vezes costumas afastar os cabelos com ambas as mãos, numa mistura de preguiça e sensualidade expostas, e, quando teu olho se afasta assim, não sei para onde, talvez para esse mesmo lugar onde te encontravas ontem, à beira do mar aberto, onde não penetro, como não te penetro agora, mas é quando a pedra ou faca no.fundo do meu olho afasta o teu é que te olho detalhado, e nunca saberás quanto e como já conheço cada milímetro da tua pele, esses vincos cada vez mais fundos circundando as sobrancelhas que se erguem súbitas para depois diluírem-se em pêlos cada vez mais ralos, até a região onde os raspas quase sempre mal, e conheço também esses tocos de pelos duros e secretos, escondidos sob teu lábio inferior, levemente partido ao meio, e tão dissimulado te espio que nunca me percebes assim, te devassando como se através de cada fiapo, de cada poro, pudesse chegar a esse mais de dentro que me escondes sutil, obstinado, através de histórias como essa, do mar, das velhas tias, das iniciações, dos exílios, das prisões, das cicatrizes, e em tudo que me contas pensando, suponho, que é teu jeito de dar-se a mim, percebo farpado que te escondes ainda mais, como se te contando a mim negasse que deliberado a possibilidade de te descobrir atrás e além de tudo que me dizes, é por isso que me escondo dessas tuas histórias que me enredam cada vez mais no que não és tu, mas o que foste, tento fugir para longe e a cada noite, como uma criança temendo pecados, punições de anjos vingadores com espadas flamejantes, prometo a mim mesmo nunca mais ouvir, nunca mais ter a ti tão mentirosamente próximo, e escapo brusco para que percebas que mal suporto a tua presença, veneno veneno, às vezes digo coisas ácidas e de alguma forma quero te fazer compreender que não é assim, que tenho um medo cada vez maior do que vou sentindo em todos esses meses, e não se soluciona, mas volto e volto sempre, então me invades outra vez com o mesmo jogo e embora supondo conhecer as regras, me deixo tomar inteiro por tuas estranhas liturgias, a compactuar com teus medos que não decifro, a aceitá-los como um cão faminto aceita um osso descarnado, essas migalhas que me vais jogando entre as palavras e os
pratos vazios, torno sempre a voltar, talvez penalizado do teu olho que não se debruça sobre nenhum outro assim como sobre o meu, temendo a faca, a pedra, o gume das tuas histórias longas, das tuas memórias tristes, cheias de corredores mofados, donzelas velhas trancadas em seus quartos, balcões abertos sobre ruazinhas onde moças solteiras secam o cabelo, exibindo os peitos, tornarei sempre a voltar porque preciso desse osso, dos farelos que me têm alimentado ao longo deste tempo, e choro sempre quando os dias terminam porque sei que não nos procuraremos pelas noites, quando o meu perigo aumenta e sem me conter te assaltaria feito um vampiro faminto para te sangrar e te deixar mudo, sem nenhuma história a te esconder de mim, enquanto meus dentes penetrando nas veias da tua garganta arrancassem do fundo essa vida que me negas delicadamente, de cada vez que me procuras e me tomas, contudo me enveneno mais quando não vens e ninguém então me sabe parado feito velho num resto de sol de agosto, escurecido pela tua ausência, e me anoiteço ainda mais e me entrevo tanto quando estás presente e novamente me tomas e me arrancas de mim me desguiando por esses caminhos conhecidos onde atrás de cada palavra tento desesperado encontrar um sentido, um código, uma senha qualquer que me permita esperar por um atalho onde não desvies tão súbito os olhos, onde teu dedo não roce tão passageiro no meu braço, onde te detenhas mais demorado sobre isso que sou e penses quem sabe que se aceito tuas tramas, e vomitas sobre mim, depois puxas a descarga e te vais, me deixando repleto dos restos amargos do que não digeriste, mas mesmo assim penses que poderias aceitar também meus jogos, esses que não proponho, ah detritos, mas tudo isso é inútil e bem sei de como tenho tentado me alimentar dessa casca suja que chamamos com fome e pena de pequenas-esperanças, enquanto definho feito um animal alimentado apenas com água, uma água rala e pouca, não essa densa espessa turva do mar de que me falaste. no começo da tarde que agora vai-se indo devagar atrás das minhas costas, e parado aqui ao teu lado, sem que me vejas, lentamente afio as pedras e as facas do fundo das minhas pupilas, para que a noite não me encontre outra vez insone, recompondo sozinho por um dos teus traços, dos teus pêlos, para que quando esses teus olhos escuros e parados como as águas do mar de inverno na praia onde talvez caminhes ainda, enquanto me adestro em gumes, resvalarem outra vez pelos meus, que seu fio esteja tão aguçado que possa rasgar-te até o fundo, para que te arrastes nesse chão que juncamos todos os dias de papéis rabiscados e pontas de cigarro, sangrando e gemendo, a implorar de mim aquele mesmo gesto que nunca fizeste, e nem mesmo sei exatamente qual seria, mas que nos arrancasse brusco e definitivo dessa mentira gentil onde não sei se deliberados ou casuais afundamos pouco a pouco, bêbados como moscas sobre açúcar, melados de nossa própria cínica doçura acovardada, contaminados por nossa falsa pureza, encharcados de palavras e literatura, e depois nos jogasse completamente nus, sem nenhuma história, sem nenhuma palavra, nessa mesma beira de mar das costas da tua terra, e de novo então me vens e me chegas e me invades e me tomas e me pedes e me perdes e te derramas sobre mim com teus olhos sempre fugitivos e abres a boca para libertar novas histórias e outra vez me completo assim, sem urgências, e me concentro inteiro nas coisas que me contas, e assim calado, e assim submisso, te mastigo dentro de mim enquanto me apunhalas com lenta delicadeza deixando claro em cada promessa que jamais será cumprida, que nada devo esperar além dessa máscara colorida, que me queres assim porque é assim que és e unicamente assim é que me queres e me utilizas todos os dias, e nos usamos honestamente assim, eu digerindo faminto o que o teu corpo rejeita, bebendo teu mágico veneno porco que me ilumina e anoitece a cada dia, e passo a passo afundo nesse charco que não sei se é o grande conhecimento de nós ou o imenso engano de ti e de mim, nos afastamos depois cautelosos ao entardecer, e na solidão de cada um sei que tecemos lentos nossa próxima mentira, tão bem urdida que na manhã seguinte será como verdade pura e sorriremos amenos, desviando os olhos, corriqueiros, à medida que o dia avança estruturando milímetro a milímetro uma harmonia que só desabará levemente em cada roçar temeroso de olhos ou de peles, os gelos, os vermes roendo os porões que insistimos em manter indevassáveis, até que o não-feito acumulado durante todo esse tempo cresça feito célula cancerosa para quem sabe explodir em feridas visíveis indisfarçáveis, flores de um louco vermelho na superfície da pele que recusamos tocar por nojo ou covardia ou paixão tão endemoninhada que não suportaria a água benta de seu próprio batismo, e enquanto falas e me enredas e me envolves e me fascinas com tua voz monocórdia e sempre baixa, de estranho acento estrangeiro, penso sempre que o mar não é esse denso escuro que me contas, sem palmeiras nem ilhas nem baías nem gaivotas, mas um outro mais claro e verde, num lugar qualquer onde é sempre verão e as emoções limpas como as areias que pisamos, não sabes desse meu mar porque nada digo, e temo que seja outra vez aquela coisa piedosa, faminta, as pequenas-esperanças,mas quando desvio meu olho do teu, dentro de mim guardo sempre teu rosto e sei que por escolha ou fatalidade, não importa, estamos tão enredados que seria impossível recuar para não ir até o fim e o fundo disso que nunca vivi antes e talvez tenha inventado apenas para me distrair nesses dias onde aparentemente nada acontece e tenha inventado quem sabe em ti um brinquedo semelhante ao meu para que não passem tão desertas as manhãs e as tardes buscando motivos para os sustos e as insônias e as inúteis esperas ardentes e loucas invenções noturnas, e lentamente falas, e lentamente calo, e lentamente aceito, e lentamente quebro, e lentamente falho, e lentamente caio cada vez mais fundo e já não consigo voltar à tona porque a mão que me estendes ao invés de me emergir me afunda mais e mais enquanto dizes e contas e repetes essas histórias longas, essas histórias tristes, essas histórias loucas como esta que acabaria aqui, agora, assim, se outra vez não viesses e me cegasses e me afogasses nesse mar aberto que nós sabemos que não acaba nem assim nem  agora nem aqui............................................................................................ ..............................................................................
  
Terceiro conto do livro "OS DRAGÕES NÃO CONHECEM O PARAÍSO", de Caio Fernando Abreu. Mar é símbolo de incerteza. Indica um estado transitório entre as possibilidades ainda informes e as realidades configuradas. Pode-se depreender que, neste conto, sua presença simboliza a inconstância no amor. O texto é escrito sem parágrafos e com uso intenso da conjunção "e" funcionando como curtas e seguidas tomadas de ar num afogamento para que o personagem, apaixonado e com medo da perda, não afunde no mar aberto e fugidio que é o outro que se mantém em movimento contínuo de ir e vir.

               

TUCANO FEITO EM PATCH APLIQUÊ

ASA DELTA

 Maria Angela Alvares Cacioli                                                                                  

Lindo pássaro do céu
que adejas sobre o mar
em tuas asas de véu
onde podes me levar?

Tem pena deste ilhéu
a ver teu livre planar
- longe, alto - como um réu
vítima do seu penar

Por que nesse mundaréu
a mim vieste escalar
como testemunha incréu
do teu rumo ao infindar?

Vai, leva como um troféu
a liberdade a mostrar
e deixa esse tabaréu
na sua praia a cismar.

terça-feira, 3 de julho de 2012

BULBOPHYLLUM LOBII

CAVERNA DE CARNE

                         Maria Angela Alvares Cacioli
                                                                                            

                                                         
Sou o sangue pulsante                                           
apertado numa veia curta                                        
de vermelho quente                                              
                                                                 
Sou o ar convergente
para pulmões claustrofóbicos                                    
preso desesperadamente                                          
                                                                 
Sou a linfa fremente                                            
serpenteando em galerias profundas                              
gritando freneticamente                                         
                                                                  
Sou olhos lacrimejantes                                         
de estalactites cristalinas                                     
gotejando pacientemente                                         
                                                                 
Sou um coração ardente                                          
encerrado numa gruta gélida                                     
de azul transparente

Sou um homem coerente                                           
sou um ser consciente                                                
acorrentado limitado sufocado                                                            
                                                                 

Abro as janelas de minha casa                                    

mas não consigo romper                                          
a rima do meu próprio eu                                       
                                                                
Choro um choro plangente                                         
para ouvidos moucos
Grito: Preciso me libertar!
                                             
Preciso deixar o sangue aflorar,                                                 
o ar sair, a linfa escoar, o verso correr,                                                      
os olhos sorrir, o coração amar.

Publicado em O AMOR NA LITERATURA : antologia literária - Rio de Janeiro : Litteris Ed.; São Paulo, : Casa do Novo Autor, 2000 - p.13-14 - ISBN 85-7298-510-7