sexta-feira, 29 de junho de 2012

CÁLIDO AMOR DE INVERNO

         
                                                 
 Maria Angela Alvares Cacioli 
                  

          “Recordar é viver. Eu ontem sonhei com você”. É assim o refrão de uma música antiga. Pois hoje, quando acordei, ela me veio à cabeça. Mais uma vez eu sonhei com você. Como vem me acontecendo sempre...desde que o conheci. Foi num inverno agradável, os dias mais parecendo de primavera.
Tínhamos um pequeno apartamento a algumas quadras da praia. Todos os anos passávamos as férias naquele mesmo lugar. Era praia pela manhã, uma soneca depois do almoço, um passeio pelo centro da pequena cidade à tarde e o jogo de cartas, à noite, com mamãe. Umas férias monótonas após as outras. Sempre a mesma rotina preguiçosa.
Uma pessoa com quem eu me dava muito bem era a Elisa, vizinha de parede do meu apartamento. Quando voltávamos da praia, costumávamos conversar no terraço que se abria ao fim do nosso corredor, às vezes durante toda a tarde.
Naquele dia ela me convidou para acompanhá-la à casa de uns amigos seus para um jogo de cartas. Não tendo outra opção melhor, aceitei. O nosso destino era um apartamento pouco maior que o meu, no terceiro andar de um prédio sem elevador. Não devo ter chegado lá cansada porque eu só tinha quatorze anos. Deveria, isto sim, estar apreensiva. Mas nem isso eu estava; não sabia que, ao transpor aquela porta, minha vida estaria definitivamente alterada e para sempre. Em torno à mesa da cozinha, após as apresentações necessárias, tornaram a se sentar Clarice, Virgínia e Fernando, acrescidos de Elisa. As duplas estavam, portanto, formadas e não me sobrou outra alternativa a não ser sentar ao lado de minha amiga apenas para apreciar o jogo. Na posição em que me encontrava, fiquei bem de frente para Fernando, parceiro de Elisa. Ele chamou a minha atenção logo que entrei no apartamento por ser bem parecido com um outro garoto com quem eu flertara nas férias anteriores. A semelhança fez-me diversas vezes voltar os olhos para ele durante todo o tempo em que eles jogaram. Sem ter o que fazer, eu prestava atenção ora nas cartas ora na expressão das pessoas em torno da mesa, detendo-me disfarçadamente mais, é claro, em Fernando. Curiosamente, quando eu batia os olhos nele, notava que ele parecia estar fazendo o mesmo. Mas nossos olhares nunca se encontravam.
Quando o jogo acabou, ficou combinado irmos na noite seguinte a um clube. Disseram-me que havia música ao vivo, com conjuntos de jovens amadores que tocavam muito bem. Faziam ali o que naquela época chamávamos de “bailinhos”.
Na hora de me arrumar, caprichei no visual e me surpreendi ao perceber que não parara de pensar naquele rapaz meio tímido que conhecera no dia anterior. Estava eufórica e não entendia o porquê. Fernando passou em casa, acompanhado de Clarice, Virgínia e mais alguns amigos. Fomos a pé até o clube. Lá chegando, ele me tirou para dançar. Músicas lentas, românticas, para se dançar bem juntinho, de rosto colado; músicas para se dançar separado, um de frente para o outro, agitando o corpo ao som do rock bem comportado daquela época. Bem, dançamos todas, a noite inteira. Fui sua parceira exclusiva. O que será que se passava pela sua cabeça, Fernando? Você não dançou com mais ninguém naquela noite. Simplesmente parece que a música tocava só para nós e que não havia outras pessoas no salão. Não trocamos uma só palavra. Nos intervalos ficávamos lado a lado; duas crianças não sabem o que conversar. Mas quando a música recomeçava, seguíamos para o meio do salão, como se aquilo fosse a única saída. De certo modo estávamos abraçados; a música parecia ser só um pretexto. Nunca falamos sobre os nossos sentimentos, nossas sensações, nossos desejos. Da minha parte eu sabia o que estava acontecendo: eu estava apaixonada. Digamos que um amor quase à primeira vista. Às vezes me pergunto, ainda hoje, passados mais de vinte anos: Apaixonada por que? Eu mal o conhecia, não soube suas opiniões sobre quase nada, ele nunca disse uma palavra sobre o que sentia ou se sentia”. Mas a paixão tem suas próprias razões. E a gente nunca consegue entendê-las.
Só sei que, daquela noite em diante, eu ansiava por estar ao lado dele sempre. Quando se tem quatorze anos, quando não existem problemas, sobra tempo e espaço para você sonhar. Eu, naquelas férias, estava vivendo meu tempo de sonho. Outros bailinhos se seguiram àquele primeiro. Aguardava-os sempre com muita ansiedade. Ali, naquele salão, com a penumbra pontilhada de minúsculos círculos de luz provindos do enorme lustre que girava, Fernando era só meu. Quando seus braços cingiam a minha cintura e nossos rostos se tocavam, eu era levada às nuvens, sem tirar os pés do chão. Puro deslumbramento e emoção.
Todas as manhãs ficávamos lado a lado na praia, estirados na areia morna para curtir o sol gostoso daquele inverno abençoado por Deus. Não eram necessárias palavras para exprimir o prazer que sentíamos de estar juntos. Nossos olhares, quando furtivamente se cruzavam, falavam silenciosamente. À tarde, jogávamos vôlei ou cartas. Sempre a mesma coisa. Só que eu estava adorando aquela nova rotina.
Com o passar dos dias, a idéia de que o término das férias estava se aproximando, começou a me atormentar. Vi com tristeza a manhã do sábado chegar ao fim. Depois do almoço, ajudei minha mãe a arrumar as malas e fui até a casa de Fernando para me despedir. Ele foi buscar um papel para anotar seu telefone e pegar o meu. Suas mãos tremiam tanto que ficava difícil escrever. Eu entendi aquilo como sinal de emoção. Exultei. Estaria ele triste como eu por aquele sonho ter que acabar? Apertei a mão que ele me estendeu. Ah! como eu gostaria de poder abraçá-lo! Com um sorriso nos lábios virei-me em direção ao portão. Não olhei para trás pois as lágrimas já corriam pelas minhas faces. Segui em frente meio cega, com um grito estrangulado na garganta.
Durante dois meses quase enlouqueci. Chorava todo dia ao ouvir no rádio aquelas músicas que havíamos dançado.  Queria ter o poder de fazer o tempo recuar.
Um dia, ganhei coragem. Não ficava bem mas eu teria que tomar a iniciativa. Segurando o papel, disquei sem hesitar aqueles números. Atenderam do outro lado. Era ele!  Minha voz quase falhou. A dele também vacilou. Aquele foi o primeiro de muitos telefonemas que trocamos.
Certa vez ele apareceu na minha casa. Quando o acompanhei até o ponto de ônibus, pensei: “Mais uma vez estamos nos despedindo”. Mas voltei para casa feliz, acreditando que ele gostava de mim. Se não, por que se dera ao trabalho de vir de tão longe?
O nosso relacionamento parecia uma colcha de retalhos. Compunha-se de fragmentos. Fragmentos estes que preenchiam a minha vida e fizeram daquela uma de suas melhores fases.
Os telefonemas foram rareando. Depois de ligar duas vezes sem ter retorno, enchi-me de brios e não liguei mais. Fernando não telefonou. Nunca mais me procurou. A vida se encarregou de separar os nossos caminhos. Daquele inverno morno só sobraram as recordações. E os sonhos...“eu, ontem, sonhei com você”! 

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