segunda-feira, 21 de abril de 2014

21 DE ABRIL

ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA - CECÍLIA MEIRELES

Fala inicial 



Não posso mover meus passos, 

por esse atroz labirinto 
de esquecimento e cegueira 
em que amores e ódios vão: 
- pois sinto bater os sinos, 
percebo o roçar das rezas,
vejo o arrepio da morte,
à voz da condenação;
- avisto a negra masmorra
e a sombra do carcereiro
que transita sobre angústias,
com chaves no coração;
- descubro as altas madeiras
do excessivo cadafalso
e, por muros e janelas,
o pasmo da multidão.

Batem patas de cavalos.
Suam soldados imóveis.
Na frente dos oratórios,
que vale mais a oração?
Vale a voz do Brigadeiro
sobre o povo e sobre a tropa,
louvando a augusta Rainha,
- já louca e fora do trono -
na sua proclamação.

Ó meio-dia confuso,
ó vinte-e-um de abril sinistro,
que intrigas de ouro e de sonho
houve em tua formação?
Quem ordena, julga e pune?
Quem é culpado e inocente?
Na mesma cova do tempo
cai o castigo e o perdão.
Morre a tinta das sentenças
e o sangue dos enforcados...
- liras, espadas e cruzes
pura cinza agora são.
Na mesma cova, as palavras,
o secreto pensamento,
as coroas e os machados,
mentira e verdade estão.

Aqui, além, pelo mundo
ossos, nomes, letras, poeira...
Onde, os rostos? onde, as almas?
Nem os herdeiros recordam
rastro nenhum pelo chão.
Ó grandes muros sem eco,
presídios de sal e treva
onde os homens padeceram
sua vasta solidão...
Não choraremos o que houve,
nem os que chorar queremos:
contra rocas de ignorância
rebenta a nossa aflição.

Choramos esse mistério,
esse esquema sobre-humano,
a força, o jogo, o acidente
da indizível conjunção
que ordena vidas e mundos
em pólos inexoráveis
de ruína e de exaltação
Ó silenciosas vertentes
por onde se precipitam
inexplicáveis torrentes
por eterna escuridão!


Cecília Meireles, em conferência realizada na Casa de Contos de Ouro Preto, em 1955, relatou como foi composto o Romanceiro da Inconfidência.
Ela foi a Ouro Preto fazer um relato jornalístico das comemorações da Semana Santa e, conta ela, enquanto assistia à procissão dos vivos, ela sentia a força dos personagens que andaram por aquelas ruas à época da Inconfidência. Era como se houvesse uma procissão paralela de fantasmas com seus dramas individuais que se misturavam aos dramas nacionais de ambição e conspiração que se desenvolveram no século 18 e que queriam contar as suas versões dos fatos e ela seria o veículo para aquilo chegar a público.
A obra exigiu quatro anos de reclusão para pesquisa histórica.
É uma leitura imperdível!






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