Caio Fernando Abreu
A vida grita nestas páginas
Coletânea traz mais de 100 textos de Caio Fernando Abreu
publicados no Caderno 2 entre 1986 e 1996 e inéditos em livro
A Vida Gritando nos Cantos é uma reunião de mais de cem crônicas que o escritor gaúcho publicou no Caderno 2 (e que se mantiveram inéditas em livro) de 1986 a janeiro de 1996 – um mês antes de morrer e dois anos depois de receber a notícia de que era soropositivo, a qual revelou em sua coluna semanal.
E não é só isso: na carona da onda pop em torno dele, além do relançamento de sua obra está nos planos uma exposição em Porto Alegre de objetos cedidos pelos herdeiros (quatro irmãos). “Já tínhamos planejado os relançamentos para a inclusão dos livros nas novas regras de ortografia. Estamos adorando essa divulgação espontânea”, conta a editora responsável, Janaína Senna. “Como bom autor clássico, ele fala a leitores de todos os tempos. É o que acontece com a Clarice Lispector, que também é muito citada.” Ainda este ano, na sequência de A Vida Gritando nos Cantos, a Nova Fronteira repõe nas livrarias Os Dragões Não Conhecem o Paraíso (1988) e Pequenas Epifanias (1996). As novas capas devem seguir o espírito pop do novo culto a Caio F., citado diariamente nas redes sociais em frases soltas por gente que provavelmente nunca leu seus contos, romances e peças de teatro.
A Imagem da vida (o importante, as necessidades primordiais) gritando em meio aos afazeres do cotidiano saiu da crônica Querem Acabar Comigo, de 29/4/1987.
Ele se queixa da impossibilidade de sair para ver o mundo além da escrivaninha com a máquina de escrever. De escrever para viver, e não o contrário.
“Ando cansado. Hoje estou me permitindo escrever sobre esse cansaço indivisível, sobre minha falta de tempo, sobre a desordem que se instaurou em minha vida. Por trás disso tudo, o mais perigoso espreita: a grande traição que estou cometendo, todo dia, comigo mesmo.
Porque escrevendo assim, para sobreviver, não escrevo o que me mantém vivo – outras coisas que não estas.” Os efeitos da aproximação da morte (ele trabalhou até mesmo da cama do hospital) estão aqui e ali. ‘‘(O jardim) muito sofreu este ano. Depois do inverno medonho, comecei a ficar mal de saúde,o que culminou em três cirurgias dezembro último (convalesço, pareço Frida Kahlo, mas ça marche bien) (…)Curioso: de todas as minhas flores, só as sempre-vivas sobreviveram. Fortes, coloridas, aparentemente indestrutivas” (…) Aos poucos, tudo volta à vida. Como eu. Como todos nós em 96, não?”, publicou no derradeiro 7/1/1996.
Para quem acompanha os lançamentos póstumos, o livro é uma continuação de Pequenas Epifanias, lançado seis meses depois da morte de Caio.Em textos dispostos em ordem cronológica -o que permite ao leitor acompanhar o desencadeamento de seu pensamento conforme o passar das semanas, meses e anos -, estão reflexões sobre o cotidiano, os filmes que via, os livros e os discos que lhe faziam a cabeça.
Os temas que marcam sua literatura estão em linhas e entrelinhas: a solidão e as angústias no mundo pós-moderno, a sexualidade em todas as suas possibilidades, a força do amor, a morte como presença constante. Ele fala de Ana Cristina César, de Cazuza, de Caetano Veloso, de John Lennon, dos amigos, de suas cidades (Porto Alegre, São Paulo, Rio).
A apresentação é de Italo Moriconi, para quem Caio, voz dos anos 70, 80 e 90, se conecta diretamente ao “jovem adulto urbano brasileiro antenado” e seduz novas gerações por trazer questões universais à
sua escrita clara e sensível. “Não à toa, frases do autor se tornaram uma febre nas redes sociais, nas quais, em 2011, uma nova postagem relacionada a seu nome surgia em média a cada 15 segundos no Twitter e no Facebook”, diz Moriconi.
As crônicas foram reunidas por Liana Farias e Lara Souto Santana, duas pesquisadoras apaixonadas que, sem se conhecer, se dedicaram durante meses a vasculhá-las. Os esforços então se juntaram. E elas perceberam que seria interessante “dar cara ao “Caio pop”".
“Muitos dos que multiplicam as frases dele na internet não sabem quem ele é. É impressionante a quantidade de pessoas que pensa que ele está vivo e que é o responsável pela atualização dos perfis nas redes sociais”, afirma Liana- tão dedicada que preside a Associação Amigos do Caio Fernando Abreu. “Por isso, a ideia de fazer a exposição: para dar visibilidade à história e a obra dele.” Ela já conseguiu peças de vestuário, pedras e cristais de que ele se cercava, postais e cartas endereçados à família, livros com dedicatórias, exemplares de revistas nas quais trabalhou. A exibição, pensada para Porto Alegre, depende ainda de apoio financeiro.
Roberta Pennafort / RIO
ESTADÃO - 26/08/2012
A VIDA GRITANDO NOS CANTOS
Editora: Nova Fronteira
(248 págs., R$ 49,90)
http://sergyovitro.blogspot.com.br/2012/08/a-vida-grita-nestas-paginas.html